Planejamento e criação

Mais um bom artigo retirado do fundo do meu baú de guardados

Quando planejamento e criação eram namorados

No início dos tempos, logo depois do supremo Criador ter feito a overture do fiat, o planejamento publicitário, nas agências, era elaborado pelos redatores, em especial pelo então chamado Chefe de Redação e Planejamento, o antecessor do atual Diretor de Criação, que passou a dirigir também os diretores de arte, além dos redatores e do pessoal do RTV.

Esse acúmulo de funções dos escribas trazia, de imediato, a vantagem de enfronhar o pessoal da criação nos meandros dos problemas mercadológicos dos clientes, obrigando-os, antes de começar a criar adoidado, a seguir uma orientação lógica, voltada para a solução dos reais problemas de comunicação dos anunciantes.

Grandes redatores e grandes planejadores, simultaneamente, eram figuras como João Dória, o pai do nosso prezado João Dória Jr. da tevê, que, além de criar grandes campanhas para o Frigorífico Armour, a rede de varejo A Exposição e Clipper, a Rhodia e tantos outros, ainda implantou no Brasil o Dia das Mães, em 1949, o Dia dos Namorados, em 1953 e o Dia dos Pais, em 1954.

Outro grande redator e planejador foi o sucessor do João Dória na direção geral da Standard, o João Carillo, que, se não me engano, é o pai do também prezado Cláudio Carillo, mostrando que o DNA de ambos não nega fogo.

Já no início da revolução criativa que o Alex Periscinoto trouxe na mala direto da DDB, no começo dos anos 60, outro notável redator ganhou notoriedade também como planejador, o Leão de Carvalho (foto), especialmente pelos trabalhos feitos por ele na Inter-Americana (depois Salles/Inter-Americana) e na S.J. de Mello, entre os quais a criação do posicionamento da Eucatex com a campanha “Forro é Eucatex”, que produziu quase tantos filhotes de anunciantes os mais diversos quanto a campanha da DDB para os queijos Gouda (“A vida é curta”).

Mas aí, funcionando como o terceiro pé do banquinho em que se assentava a revolução criativa “neste país”, o Hélio Silveira da Motta, diretor de planejamento e atendimento da Alcantara Machado, foi quem criou alguns dos mais bem bolados posicionamentos de produtos, principalmente para a Gillette, quando deu todo o ordenamento criativo de bandeja pra nós da criação, formulando a internamente chamada “campanha do complexo”.
O raciocínio por trás da campanha era genialmente simples, como simples são em geral as grandes idéias. A Gillette detinha uma porcentagem esmagadora de mercado, algo em torno de 97 ou 98%, ficando os outros 2 ou 3% divididos entre outras marcas de lâminas, barbeadores elétricos, etc., tornando antipática e dispendiosa qualquer campanha visando atingir um eventual 99 ou 100% do mercado.

Foi quando o Hélio encomendou uma pesquisa qualitativa para o mestre, rei e imperador das pesquisas qualitativas no país, o saudoso Alfredo Carmo, que dava a última aula de sexta-feira à noite na ESPM para um grupo de alunos literalmente mortos de cansaço e de tédio, pois a penúltima aula era dada pelo Sodré Cardoso, um boa praça que dava Artes Gráficas de forma sonolenta e chata, sem a menor didática, e conseguia o milagre não só de despertar literalmente a classe, mas nos fazer chegar ao final da noite exclamando: Caramba! Já terminou a aula? Que pena…
Então, nessa pesquisa, o instituto do Alfredo Carmo descobriu algo que o Hélio Silveira da Motta, intuitivamente, já imaginava: muitos caras tinham o hábito ou mau hábito de fazer a barba dia sim, dia não. Se não me engano, esse contingente masculino representava algo em torno de 30% do mercado. Com base nessa informação, o Hélio fez um planejamento pra abocanhar essa então representativa fatia de mercado, sugerindo uma campanha em que o cara que não fizesse a barba todo dia esbarrasse em problemas justamente por não ter feito a barba naquele determinado dia, dando exemplos que acabaram virando os próprios anúncios e comerciais da campanha.

Tipo: “Se você faz a barba dia sim, dia não e justamente hoje que você não fez a barba você encontrar aquela garota em que você estava de olho, o que ela vai pensar de você?”. “Se você faz a barba dia sim, dia não e justamente hoje que você não fez a barba você estiver no ônibus quando baterem a carteira de alguém, pra quem você acha que o pessoal vai olhar primeiro?”. “Se você faz a barba dia sim, dia não e justamente hoje que você não fez a barba o seu chefe chamar você pra falar daquele aumento?”. E por aí afora.

Essa campanha, testada nos meses de inverno em Curitiba, época do ano escolhida por ser aquela em que mais dias os caras deixavam de fazer a barba, aumentou as vendas das lâminas da Gillette exatamente em 30%. Sucesso absoluto! Acontece que, logo depois, houve uma mudança na Gillette, quando defenestraram o presidente da empresa, o Donald Weickman, e o diretor de propaganda, o estimado Newton Carvalho. E os sucessores eram executivos medíocres, inclusive o novo presidente, ex-diretor financeiro na Colômbia, com uma visão pequenininha, pequenininha dos negócios e acabaram por cancelar o projeto “campanha do complexo”, que estava previsto ser veiculada nacionalmente.

Mas, voltando ao nosso assunto, o que os grandes planejadores, independentemente de serem ou não da criação faziam, era trabalhar em busca de grandes idéias, partindo do princípio de que fazer uma excelente campanha de propaganda seria bom não só para a criação como também para a agência como um todo e para o cliente ainda mais.
Claro que hoje existem ainda exemplares de planejadores de boas cepas, como o Júlio Ribeiro, da Talent, cria do igualmente saudoso Hélio Silveira da Motta, o Ralph Fuchs, o Cama, o Dalton Pastore e, no Rio, a Ângela Milet, que durante uns dez anos ajudou a Contemporânea a se tornar uma agência extremamente criativa e que hoje é diretora de planejamento da Script. Porém, é forçoso reconhecer, são exceções dentro da “juniorização” do marketing nos clientes e nas próprias agências, com seus profissionais atualmente mais preocupados em disputar o poder dentro das empresas. O que explica, por outro lado, o sucesso das agências dirigidas por profissionais de criação, como a DPZ, a W/Brasil, a Africa, a F/Nazca, a Fisher, a Click, etc. etc.
Sim, amigo leitor, já houve um tempo em que a regra era o planejamento e a criação se darem tão bem quanto namorados extremamente apaixonados. E hoje?

Por Juvenal Azevedo – JAC Assessoria de Imprensa

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