Morre José Ramis, criador da logomarca da Embraer

Faleceu José Maria Ramis Melguizo

Morreu em São José dos Campos, nesta quarta-feira, 15 de fevereiro, José Maria Ramis Melguizo, aos 84 anos, em casa, por causas naturais. Ramis era artista plástico e designer. Ele foi o criador da logomarca da primeira empresa brasileira de aviões, a Embraer. Ele será cremado em um cerimonial restrito aos familiares.

José Maria Ramis Melguizo era espanhol e há décadas veio morar no Brasil. Ele também foi autor e co-autor de carros nacionais diferenciados, entre eles, o Itamaraty Executivo, a única limusine nacional.

Sobre a genialidade de Ramis, descreveu o jornalista Júlio Ottoboni, para o livro “Gênio Indomável” que será lançado pela Somos Editora, em 2023: A cultura espanhola e sua imensa diversidade deu ao mundo gênios revolucionários, excêntricos, inquietos, transformadores do pensamento e da estética de gerações. Um desses geniais se desgarrou das terras de Espanha e aportou sua versatilidade no Brasil, vindo riscar em cores e formas os Meridianos e Paralelos de norte a sul. A luz dos trópicos e os limites ainda por se criar eram as provocações perfeitas para sua explosão de criatividade.

José Maria Ramis Melguizo um catalão, de Barcelona, genial e reinventor de si mesmo, que fez florescer o espírito inquieto e revolucionário neste hemisfério.

Nascido em julho de 1939, quando a Catalunha ainda efervescia sob o sentimento de independência na sangrenta Guerra Civil Espanhola, Ramis vivenciou o trajeto obstinado de seu povo. Foram 10 anos em terras catalãs que marcariam sua vida para sempre. Uma criança espectadora do que há de melhor e pior no homem. Em 1949, sua família aportava em terras brasileiras e tinha início mais uma jornada espetacularmente produtiva de Ramis, agora como construtor de seu caminho.

Documentarista, publicitário, fotógrafo, designer industrial, pintor, escultor e até mesmo assistente de médicos cirurgiões. Praticamente nada impedia o gênio cosmopolita e extremamente arrojado. Em 20 anos, Ramis já dava noções claras de que seu ritmo e intensidade necessitavam sorver todo tempo possível, sua anima de artista exigia cada vez mais.

Os projetos de destaque de que participou são inúmeros, mas vale destacar o desenvolvimento dos carros AeroWillys, Interlagos, Uirapuru, Buggy Glaspac, Corcel; ainda venceu o “Concurso Presidente”, criado pela Indústria Brasileira de Automóveis Presidente (IBAP).

Pedro Bicudo/Quatro Rodas

A velocidade da genialidade de Ramis decolou, literalmente. Aos 28 anos de idade começou o desenho industrial das partes internas e externas do turboélice Bandeirante, ainda desenvolvido no então Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), que mais tarde se tornaria a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer). E novamente sua marca estaria exposta no mais ousado produto já construído neste país. A logomarca da Embraer nasceu em sua prancheta.

Foi em 1975 que o agitado espanhol foi contratado pela Embraer para montar o setor de marketing da empresa. Sua vasta experiência e dinamismo o tornaram uma espécie de mito na aeronáutica nacional. E ele se deixou levar, como se buscasse agora o sonho de Ícaro. Seu voo era, em seu imaginário, fértil e voraz.

Ritmou sua vida pelo barulho dos pincéis na tela em branco. Foram 13 exposições individuais entre 1964 e 1985: seus quadros peregrinaram de São José dos Campos por todo o Brasil, América do Sul, até a Galeria Debret, em Paris, e a Taten Gallery, nos Estados Unidos. Participou de outras 12 coletivas.

Entretanto, a crueza da vida tentaria lhe impor limites e testar sua superação. A recriação de si se deu em 1985, fazendo dele o mestre aprendiz. Um acidente de carro na Via Dutra quase tira a vida e as habilidades de Ramis. A grave lesão na cabeça afetou seu cérebro; um traumatismo craniano, com graves sequelas motoras no lado direito de seu corpo, comprometeu também a fala. Para muitos era o fim do artista genial, no auge de sua capacidade e produção, aos 46 anos de idade.

O ceifador e sua foice vieram buscá-lo num quarto escuro de hospital. Ramis recusou a viagem: sua jornada não estava completa, ainda tinha muito que mostrar ao mundo terreno.

O pequeno homem que ousou apostar com a morte tinha agora um trato com a vida. Destro e muito comunicativo, essas características cruciais para o exercício de sua arte estavam sepultas em seu organismo. As desvantagens eram muitas para Ramis conseguir recuperar suas habilidades.

Foram anos de fisioterapia, de tratamento médico intensivo para o reaprendizado da vida. Agora sua arte dependia de seu lado esquerdo, da mão que nunca segurou um pincel ou traçou o papel com um lápis. A vida do então diretor de arte do departamento de marketing da Embraer era em São Paulo, enfrentando clínicas médicas e uma forte depressão, o que o tornava recluso.

Novamente o gênio cerebral, intuitivo e aguerrido superou as barreiras físicas. Anos de reaprendizagem, destro se tornou canhoto, e a perda da fala tampouco o impediu de seguir para se comunicar de tantas outras formas. Aos poucos sons ainda emitidos juntou-se um gestual complementar. Essa nova linguagem lhe devolveu parte da comunicação vocalizada que se foi, o suficiente para interagir com as pessoas novamente.

Dois anos do acidente, os primeiros quadros ressurgiram. Foram horas e horas para adestrar novamente o sentimento selvagem de se expressar pela pintura em um corpo com limitações. Foram cinco longos anos até sua nova exposição, agora a fase esquerda, a do renascimento como artista e pessoa.

Sua visão da vida retornou às telas e ao mundo. Ramis armou sua própria cruzada contra a deficiência adquirida e a enfrentou, reorganizou seu cérebro, sua arte e seu cotidiano diante das novas necessidades.

Manteve seu ateliê no espaço cultural Vicentina Aranha, junto com diversos outros artistas. Acompanhado de seu boné e cachimbo, Ramis foi uma grande estrela na constelação artística de São José dos Campos. Arrastou multidões de admiradores e um número imenso de seguidores e aprendizes de sua arte de viver e se recriar a cada pincelada.

Hoje nos despedimos do Ramis, que viverá eternamente pelo seu legado, pela pessoa que sempre foi e pelos exemplos de superação que nos deixou. Viverá eternamente pelo seu sorriso franco e pela sua alegria de viver.

Fonte: Solução Textual Assessoria – Renata Vanzeli

Coluna Propaganda&Arte

De Almeida Júnior a Boticário: quando o normal vira arte

Estereótipo, inclusão e identificação. Essa combinação de palavras nunca esteve tanto em discussão na propaganda como hoje em dia. Mas na arte, ela já é debatida há muito tempo, com Almeida Júnior, por exemplo, lá por 1880. Será que o tema é moda ou é um fenômeno que veio pra ficar? Bora entender melhor!

Gente como a gente

Almeida Júnior foi um importante pintor brasileiro nascido em Itu em 1850. Pois é, faz tempo sim e, como a cidade já prometia, seu talento era GIGANTE. (ha-ha) Tanto que, em 1876, o Imperador Dom Pedro II conheceu seu trabalho em uma viagem ao interior paulista e decidiu pagar uma bolsa para ele estudar na Europa.

Lá é onde ele começa sua jornada de aperfeiçoamento e mudança gradativa nos temas abordados nas pinturas, diferentemente dos trabalhos do meio acadêmico, mudando de figuras religiosas para retratar o “caipira paulista” e a vida comum. Esse olhar pro interior lhe rendeu muitas comparações com movimentos na Europa de valorização do comum, cotidiano, uma linha artística chamada de naturalismo, tentando captar o real da sua forma mais crua. Uma busca que volta com tudo agora na propaganda.

O Violeiro, Almeida Junior

Boticário & CIA mudando geral (mas nem tanto)

De volta ao nosso milênio, grandes marcas ligadas ao ramo da beleza, como o Boticário, estão mudando os discursos, evitando palavras (normal e perfeito) que geram uma busca por uma beleza irreal, mudando os castings e atores, evitando o Photoshop, trazendo figuras mais “comuns”, tanto de estilo, como de características físicas, para tentar trazer mais realismo e naturalidade à comunicação de seus produtos. Algo que na prática mira em uma maior identificação do público, um cuidado com a saúde mental dos clientes em questões de autoaceitação e de olhar pro “interior”. Ou seja, estão indo na contramão dos filtros que deixam nossa carinha perfeita no Instagram, convenhamos. Mas, apesar do sucesso dessas redes sociais mais prejudiciais, até que tá rolando um movimento das marcas valorizando o que realmente importa: o que você é por dentro.

O que isso impacta na propaganda? Esteticamente, vale destacar os “defeitos”, como marcas da idade na pele, cicatrizes etc., todas as coisas que fazem a gente ser a gente, né? E, na minha opinião, isso vai continuar, independente dos rostinhos perfeitos, que também devem continuar.

O que vamos colocar no quadro?

A propaganda e a arte possuem papéis distintos e podem ser utilizados de formas diferentes. A arte pode ser feita para vender. A arte pode ser feita apenas para mostrar técnica, ser bela, inspirar, mudar o foco da discussão, mudar visões e criticar aspectos sociais. A propaganda também pode ser mais profunda, pode apenas vender, pode ser incrível, inspirar, pode apenas nos persuadir a fazer algo como comprar algum produto ou pode levantar debates sociais. Assim, estes assuntos continuam e devem ir longe, pois dizem muito sobre nós mesmos e nossas escolhas.

No final, a pergunta que fica é: o que vamos colocar no quadro?

Texto inspirado nas obras de Almeida Júnior, que apesar do fim trágico, deixou um legado inspirador durante sua vida.

A minha foto de abertura do texto foi alterada com base em uma inteligência artificial que aprendeu os traços de Leonardo Da Vinci. Conheça o projeto no site: https://www.davinciface.com