Por Heloísa Gonçalves*
A comunicação não é uma ciência exata, muito pelo contrário: é uma das tarefas mais líquidas que existem. Transmitir uma mensagem depende de uma infinidade de fatores tangíveis, como quem está falando com qual público em qual momento e com qual intenção, além dos intangíveis, como a história por trás de cada um dos indivíduos no processo e como isso pode afetar suas credenciais e interpretações. Os engenheiros que me desculpem, mas publicidade é trabalho árduo.
Uma campanha pode dar errado de um milhão de formas diferentes, indo desde o performar abaixo da média até as grandes catástrofes que viram notícia – e memes. Inclusive, cada vez mais devemos pensar em como algumas comunicações envelhecem mal, mas isso fica para outro artigo. Spoiler: o politicamente correto pode ajudar.
Até mesmo fórmulas de sucesso que parecem não ter margem de erro, acreditem: falham. Qual paulistano ainda não está perplexo com o mais novo touro de ouro da Wall Street brasileira? De símbolo de força e cartão postal lá fora, a infeliz versão tupiniquim chega em um momento totalmente inapropriado, com o país de volta ao mapa da fome e exportações de carne nacional barradas nos portos chineses, enquanto nossa população revira o lixo. Fonte inesgotável de memes e charges, as únicas matérias sobre o assunto tentam explicar qual o motivo para instalação da réplica de execução duvidosa, escorregando logo na primeira regra de qualquer curso de comunicação social: se o público não é capaz de entender sozinho, repense.
Os desacertos podem estar em diversas partes do processo e o que mais impressiona é a capacidade que eles têm de passar por muitas mãos até chegarem aos materiais finais que vão para o público. Uma referência icônica é a campanha de um certo papel higiênico que decidiu investir em folhas pretas, um luxo – eles pensaram. Uma espiadinha rápida nas redes sociais e descobriram que #blackisbeautiful estava vindo com tudo, então, partiu, vestir uma atriz global com (sic) rolos e mais rolos de papel para limpar suas partes íntimas e colocar na televisão. O investimento foi alto, a queda também.
Até hoje fica difícil entender como ninguém, em nenhum momento, olhou para o conteúdo da principal hashtag da campanha para notar que ela falava sobre empoderamento negro e que, talvez, não fosse a melhor ideia do mundo se apropriar de uma causa nobre como esta para enrolar uma mulher ruiva de olhos claros com papel preto de folha dupla. Mas será que ninguém percebeu ou será que as pessoas tiveram medo de apontar?
Pesquisando rapidamente pelo tema, fica claro que existe apenas um ângulo desta história e quase todo mundo já deve saber qual é. Inúmeros conteúdos dão dicas sobre formas de discordar dos seus superiores sem sofrer represálias ou ser demitido, enquanto os demais indicam aos ditos líderes como lidar com subordinados difíceis e outros até encorajam os chefes a elogiarem, além de criticar. Acho que já temos uma resposta, não é mesmo?
A cultura do medo, típica de estruturas hierárquicas, é muito clara na maioria dos ambientes de trabalho, de forma mais ou menos velada, incluindo as agências de comunicação que montaram essas campanhas. Segundo a pesquisa de Segurança Psicológica, realizada pela Pulses, diante da frase “se alguém errar, isso não será usado contra a pessoa”, 54% dos colaboradores discordaram, enquanto 40% não sentem que podem trazer questões para serem debatidas e isso não é bom para ninguém.
Segundo os especialistas em cultura organizacional, Adrian Gostick e Chester Elton, grupos em que não há contestação são menos inovadores e produtivos do que aqueles que discutem, e isso é tudo que uma agência de publicidade não quer ou pelo menos não deveria querer. “Pode parecer contraintuitivo: a maioria dos líderes acha que as pessoas com ideias radicais atrasam as coisas, pois desafiam os processos. Mas, em muitos casos, o radical leva à melhoria”, diz Gostick, que dedica aos conflitos um capítulo do livro “The Best Team Wins” e vejam, esses são os especialistas falando e não a autora, reconhecidamente do contra.
Em uma sociedade cada vez mais globalizada, já deveríamos estar cansados de saber que são os ingredientes heterogêneos que dão sabor à mistura e ajudam a sair da mesmice. E que atire a primeira pedra quem nunca viu um cliente trocando de fornecedor para “renovar os ares”. O fluxo livre de pensamento e deixar as ideias verdadeiramente choverem sem serem contidas no brainstorming é que nos levam para o futuro, principalmente, em profissões tão criativas e humanas como a comunicação. Isso não vai impedir que, de vez em quando, tenhamos algumas bolas fora, mas nos permitirá corrigir rotas antes de nos chocarmos contra a trave que outro membro da equipe já viu.
*Heloísa Gonçalves é Planejamento Estratégico da Repense